Penso estar observando a mim mesmo mas na realidade estou me julgando.
Nenhum olhar sobre si mesmo é neutro. A autoestima é, por essência, um julgamento: nos observamos e nos julgamos. Trata-se inclusive de um duplo julgamento, ou um julgamento sob pressão, como quiserem, pois esse julgamento que fazemos a nosso respeito é na realidade duplicado (ou contaminado, ou estressado) pelo julgamento dos outros: nós nos julgamos com base naquilo que pensamos do julgamento dos outros (com ou sem razão).
O primeiro problema é que nos julgamos, em vez de nos analisarmos e nos compreendermos. Segundo problema: esse julgamento é quase sempre severo demais. O que significa julgar? Significa ligar um fato a um valor. E os valores das pessoas que têm problemas de autoestima são prejudiciais, porque são excessivamente elevados e rígidos: seu desejo de perfeição serve apenas para aplacar seu desejo de proteção.
O problema: o crítico interno
O que chamamos de “crítico interno” em psicoterapia são os julgamentos constantemente negativos e limitadores, a autocrítica quase constante. A deformação permanente e parcial daquilo que nos acontece, sejam êxitos ou fracassos: “O que deu errado é minha culpa, o que deu certo é obra do acaso. O que deu errado, deu completamente errado, o que deu certo, deu certo só parcialmente. O que deu errado foi para sempre, o que deu certo é apenas temporário”.
Como conseguimos suportar isto? Apenas porque achamos que é uma forma de lucidez e de rigor. Na verdade, o crítico interno apenas aparenta ser honesto e lúcido. O crítico interno apresenta como verdade o que não passa de autointoxicação. O crítico interno está permanentemente em ação. Previsões antes da ação: “Não adianta tentar, nunca vai funcionar”. Comentários durante: “Olha só como você está indo mal”. E conclusões depois: “Você foi patético”. O crítico interno é o verdadeiro inimigo dentro de nós.
Naturalmente, nós mesmos somos esse inimigo. Somos nós que lhe damos vida, que o ouvimos, lhe damos abrigo, obedecemos, somos nós que acreditamos nele. Acabamos sem qualquer distanciamento, acreditando que esses pensamentos estereotipados têm funamento e são justos. O crítico interno também é chamado de “rádio crítico”: esse constante fluxo de frases negativas ditadas a si mesmo parece um aparelho de rádio instalado num canto, e que ninguém se lembra de desligar nem de ouvir atentamente para se dar conta de que só emite horrores e exageros.
De tanto pensar assim, acabamos acreditando
O crítico interno é ainda mais tóxico porque nos habituamos a ele, e nem prestamos atenção a sua natureza. Ele nos faz esquecer seu caráter parcial e equivocado. Sob a máscara da lucidez e da honestidade, está todo o prejuízo que ele pode causar.
A toxidade do julgamento de si mesmo quando decorre de uma autocrítica cega
Essa auto sugestão negativa infelizmente se revela eficaz e alimenta uma boa parte dos problemas de autoestima.
É ela que faz com que não tiremos proveito de nossas experiências de vida positivas, pois todo sucesso ou reconhecimento é imediatamente submetido à crítica parcial: “ilusão”, “não vai durar”, “não é tão bom”.
Ao contrário do que tenta fazer crer, o crítico interno em nada nos ajuda a progredir no plano de nossa pessoa global. Não passa de um discurso dissuasivo e limitador, que nos leva a temer, a recear, a tremer, a nunca estar satisfeito. Ele não nos puxa para cima. Isso levará apenas a mais estresse, inibições, insatisfações e tensões. E diminuirá a autoestima.
O crítico interno segue uma lógica de perfeccionismo patológico e ineficaz. Essa crítica interna fragiliza a autoestima, nos afastando dos benefícios de nossos êxitos, lembrando-nos sem descanso de nossos fracassos (sempre consideramos merecidas nossas auto recriminações).
Como praticar uma autocrítica útil?
O que ajuda a mudar é uma informação neutra e benevolente, mais que um julgamento parcial e agressivo. Para progredir, muitas vezes será necessário aprender a se criticar de outra forma, com moderação. Só é possível mudar corretamente sobre alicerces de aceitação de si mesmo, dos próprios erros e limites. Então virá o momento do julgamento, crítico ou favorável.
É preciso efetuar o mais rapidamente possível um trabalho de descontaminação e checagem. Com efeito, o “crítico interno” se nutre da confusão de nossas emoções e sempre se prevalece da pequena desordem criada por nossas inquietações. Para melhor enfrentá-lo:
• Lembrar-se de que nós mesmos geramos grande parte de nossos sofrimentos – Falar a si mesmo sobre isto: “Não permita mais que um pensamento ou uma ideia o tire do sério ou o destrua. Se seu medo detectou um problema, cuide desse problema, mas com calma. Estar atento ao próprio medo não significa submeter-se a ele, ao contrário. De onde vem o problema? Da minha imaginação? Da minha tendência ao exagero?
• Estabelecer claramente a diferença entre o que acontece (os fatos) e o que eu penso a respeito (minha interpretação) – O crítico interno tende a me fazer confundir as duas coisas e a me levar a tomar o que ele pensa sobre o que o mundo realmente é. Os problemas de autoestima tornam as pessoas hipersensíveis. Se tenho a impressão de não ser apreciado por alguém, isto pode decorrer, é verdade, da frieza daquele com quem estou tendo contato, mas também do meu medo de não ser apreciado pelo outro em geral, ou por essa pessoa particular.Essas conscientizações em caráter regular, separando a informação e a observação (neutras) do julgamento de valor (subjetivo), são indispensáveis para o desenvolvimento da autoestima.
• Mostrar-se prudente com as conclusões precipitadas – Por exemplo: o fato de alguém não se mostrar caloroso em relação a nós não significa que nós sejamos a causa (a pessoa pode ter seus próprios problemas que a torna fria e distante). Ou talvez essa pessoa seja desagradável com muitas outras e que não é algo que tenha a ver conosco exatamente. Podemos também ter uma atitude de amabilidade (“Vamos ver se consigo alterar seu comportamento em relação a mim”) ou me voltar para pessoas mais receptivas, em vez de pensar que todo mundo terá uma atitude de rejeição em relação a mim.
• Reformular as autoverbalizações – Deixar de lado as crenças radicais e definitivas: “eu não presto para nada”, “inaceitável”, “fracasso total”. Por trás da aparente ingenuidade desse comportamento, é bem real o peso das palavras. E a eficácia da técnica de reformulação está amplamente em psicoterapia. Ela é por sinal um dos vetores das psicoterapias da autoestima. Em vez de pensar “Essa pessoa me detesta e me despreza, está na cara” podemos reformular pensando “Esse sujeito não é dos mais calorosos. Será que tem a ver comigo ou com ele?”. As formulações negativas e me categóricas facilitam a violenta inflamação dos pensamentos mais catastróficos de rejeição social. Basta que se manifeste uma dúvida “E se eu não for amado?” para que se transforme em certeza. Uma autoverbalização útil é aquela que não nega os fatos, mas cuida de se limitar ao que é real e não imaginário, separando claramente a observação da especulação.
• Entender que as mudanças ocorrem lentamente, como qualquer mudança na relação comigo mesmo – Treinar-se inicialmente em situações pouco “quentes” no plano emocional, ou seja, que envolvam pouco a autoestima. E só então atacar o que é mais delicado. Aceitar as voltas periódicas do crítico interno em nossa cena mental. Não perder a calma. Mostrar-lhe calmamente a porta de saída.
O que nos impede de efetuar esse trabalho de parar a autocrítica e utilizar um discurso realista é acharmos que somos bons conhecedores de nós mesmos. E esse pensamento nos leva a aceitar incessantes recriminações do crítico interno. O “eu me conheço bem” das pessoas de baixa autoestima frequentemente é um erro. Na realidade, elas só conhecem bem uma parte de si mesmas: a parte de suas fraquezas. Suas qualidades são percebidas com mais clareza pelos que as cercam do que por elas mesmas.
A autocrítica deve ser também construtiva e não apenas crítica. É a diferença entre “Eu fui mal” (global e negativo) e “Da próxima vez vou tentar diferente” (específico e construtivo).
Para cegar a esse discurso interno, é necessário distanciamento e treinamento. Uma regra pode ser não depositar uma confiança cega em nossas intuições quando estamos em uma situação em que nossa autoestima se sinta ameaçada. Não existe pior juiz do que nós mesmos: os estudos confirmam que quando acabamos de cometer um erro (ou algo que nos pareça um erro), superestimamos sistematicamente a severidade do olhar dos outros. Lembrar-se suavemente dessa realidade, antes de enfrentar as situações que nos inquietam, parece uma boa regra. Saber também dizer a si mesmo “Cuide de si mesmo: não se deixe impressionar pelos seus medos, que são desencadeados sem razão, diante de ameaças mínimas ou inexistentes. Concentre-se nas situações, não julgue depressa demais o que acontece. Não faça mal a si mesmo”.
Fonte: Livro “Imperfeitos, Livres & Felizes” Christophe André