Quais são os limites da beleza?

A preocupação com a aparência pode passar de vaidade e se tornar um grave transtorno psíquico

Por Ana Luiza Costa

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A pessoa com TDC tanto pode apresentar uma obsessão em se olhar no espelho, quanto uma aversão pelo próprio reflexo. (Foto: Ana Luiza Costa)

Se encarar no espelho e não gostar do próprio reflexo vez ou outra pode até parecer normal para a maioria das pessoas. O problema é quando se nota uma obsessão com o corpo e quando a busca pela beleza ideal é constante, tornando-se prejudicial. A questão é que sempre vai faltar algo aqui ou ali. Essa insatisfação constante com a auto-imagem é um transtorno psíquico, o transtorno dismórfico corporal, também conhecido como dismorfia corporal. Infelizmente, mais comum do que se imagina. Mas, afinal, quais os limites da preocupação com a aparência?

Pra começar, isolar-se por se sentir incomodado com a própria aparência não deve ser visto como um processo natural. Assim como utilizar acessórios e maquiagens puramente com a finalidade de cobrir o que causa sofrimento, também não. Recorrer a procedimentos estéticos e cirurgias plásticas e, mesmo assim, continuar com sentimentos de insatisfação. Não acreditar nunca em elogios. E até mesmo se checar no espelho e tirar selfies inúmeras vezes por dia são acontecimentos que, embora corriqueiros, podem na verdade mascarar um grave transtorno psíquico.

Com olhar sob as práticas contemporâneas, a psicóloga e especialista em terapia cognitivo-comportamental Maria Cristina Britto, considera que a imposição de determinados padrões estéticos está levando as pessoas a uma busca por corpos, rostos, cabelos e medidas perfeitas que são muitas vezes inalcançáveis. Para a psicóloga, esses sentimentos deixam de ser apenas uma preocupação com a aparência quando ultrapassam os limites considerados saudáveis.

A Dismorfia Corporal (TDC) caracteriza-se pela desordem da imagem corporal, uma insatisfação excessiva com a própria aparência. Principalmente, com o que julgam ser “defeitos”, de modo a enxergar pequenas imperfeições de maneira monstruosas. “Quem desenvolve o transtorno experimenta um sentimento subjetivo de feiúra, por acreditar que tem defeitos físicos insuportáveis e que são percebidos por todos em sua volta”, afirma Britto.

A fixação por espelhos e objetos refletores faz parte de um processo compulsivo de auto “checagem”, assim como tirar várias selfies durante o dia. No entanto, também pode haver o sentimento de aversão à essas checagens. O espelho não é o único vilão da história. As pessoas que sofrem com a dismorfia não apresentam só a insatisfação consigo mesmas, mas experimentam o isolamento social. Não é difícil ouvir relatos de pessoas que, devido ao TDC, adquiriram também a fobia social. Sair com os amigos e até mesmo ir para o trabalho e sentir que todos à sua volta estão apontando e rindo daquele defeito que tanto causa sofrimento, torna a solidão a opção menos dolorosa. Casos assim são comuns, pois, junto com a TDC, outros transtornos mentais são desencadeados, sendo a depressão o mais comum deles.

A causa da dismorfia corporal pode ser uma combinação de fatores neurobiológicos, evolutivos, socioculturais e psicológicos, segundo a psiquiatra paulista Jocelyne Rosenberg. Sendo também que não há uma idade predeterminada para se manifestar, podendo inclusive aparecer precocemente aos cinco anos de idade. No entanto, a maior incidência do transtorno está na fase da adolescência, período de descobertas para meninas e meninos, que estão mais propícios a sofrerem influência do convívio social.

É comum que pacientes procurem por consultórios de estética, tendo uma resistência para buscar por ajuda psicológica. Estudo realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 2012, estima que 7 a 15% dos pacientes que procuram por cirurgias plásticas sofrem com o TDC. Além disso, mais de 80% dos casos em que são realizadas cirurgias o paciente tende a se desestabilizar psicologicamente ou, encontra novos defeitos em seu corpo. Britto ainda acrescenta que um outro agravante para casos como esses é quando os pacientes acabam colocando suas vidas em risco, nas vezes em que se submetem a tratamentos clandestinos com indivíduos sem qualificações.

Psicólogos e psiquiatras agem juntos no tratamento. Os pacientes são tratados com o uso de antidepressivos, além de terapia cognitivo-comportamental. Britto explica que a procura por profissionais capacitados para o diagnóstico correto é fundamental para o sucesso do tratamento, uma vez que, caso o paciente seja tratado como tendo outro transtorno – que não o TDC – ele acabará se frustrando e desistindo.

O transtorno dismórfico corporal possui consequências graves pelos desdobramentos e prejuízos nas vidas de quem o possui, assevera a psiquiatra Jocelyne Rosenberg. Pesquisa da UERJ aponta que algumas pessoas que tem esse transtorno mostram-se agressivas quando são julgadas por seu comportamento ou quando passam por situações estressantes. Além disso, ideias suicidas são encontradas em 55 a 71% dos pacientes podendo, nos casos de gravidade extrema, tornar essas ideias realidade. Cerca de 24 a 28% dos pacientes que tem TDC já tentaram suicídio, taxa mais alta que em outras desordens mentais.

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O tratamento não é curto, há uma ressocialização do paciente. Sobretudo, eles são ensinados a lidar com a própria aparência e a diminuir a intensidade com que vêm características físicas. “Não falamos mais de cura, mas de entendimento e controle do transtorno. O objetivo é que a pessoa reconheça o problema e aprenda a lidar com as pressões e os gatilhos que causam as distorções de pensamento e os comportamentos compulsivos. Reforça-se as capacidades da pessoa, suas conquistas e talentos que não dependem de aparência física”, conclui Britto.

Conheça histórias de algumas pessoas que sofrem de dismorfia corporal:

Alisson, 21 anos.

“Cheguei ao ponto de me sentir um monstro! A ter nojo de mim, raiva e vontade de me matar. Eu não consigo fazer nada mais sem acreditar que todos estão olhando e dizendo o quanto sou feio. Sempre que pergunto para alguém a respeito do que odeio na minha aparência eles dizem não ver nada disso. Dizem ser coisas da minha cabeça, mas eu não acredito. Isso tomou conta da minha vida!”

*Marina, 35 anos.

“Eu tinha 14 anos quando começou. Houve uma fase onde perdi peso por conta do transtorno, passei do manequim 46 para o 38. Junto com a dismorfia foram desencadeados outros problemas psíquicos. Fui diagnosticada com síndrome do pânico e personalidade paranóide. Achava que as pessoas estavam a todo instante me observando e rindo de defeitos, que na verdade eram imperceptíveis ou só existiam na minha mente. Não acreditava quando me diziam: ‘você está bonita’, é como se, ao dizerem isso, estivessem apenas zoando de mim”. Marina, até hoje frequenta à psicoterapia e faz uso de remédios para depressão.

Solange Cassanelli, 35 anos.

“Desde a infância vinha sofrendo com a minha aparência, mas ninguém entendia pelo o que eu estava passando. Já tinha frequentado psicólogas e sessões de terapia. Então, após meses de tratamento, passados um ano decidi abandonar. Já tinha tentado aprender a me amar por meio de maquiagens e usando as melhores roupas, mas nada disso adiantou. Já estava esgotada emocionalmente com a forma que eu relacionava comigo mesma, quando encontrei na internet um artigo que descrevia sobre o TDC, foi um alívio! Senti que tinha enfim encontrado algo que fazia sentido para o que eu sentia. Por mais que ninguém fique feliz em saber que tem um transtorno psicológico, ter o conhecimento me deu esperança de conseguir enfim tratar o que eu sentia. Eu não conseguia mais trabalhar, não conseguia me vestir, então eu dormia enrolada em um roupão. Achei que eu iria definhar até morrer. Então marquei com a psicóloga e falei a respeito das minhas suspeitas sobre ter dismorfia corporal. Além da TDC fui diagnosticada com depressão, e então encaminhada ao psiquiatra”.

*Nome fictício para proteger a privacidade da fonte.

Fonte: Nós Revista

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